Thursday, May 17, 2007

AULA 10: PERÍODO DE NOJO OU CORTAR O MAL PELA RAÍZ?


“No DN, o ex-jornalista Luís Paixão Martins, líder da LPM (agência de comunicação), defende que a “assessoria mediática deve ser feita por ex-jornalistas”, pensamento que parece comum às empresas desse sector. Percebe-se porque é que pensam assim…. Desde logo porque o Estatuto dos Jornalistas permite o sistema de porta aberta na profissão aos ‘ex-jornalistas’ que querem regressar às redacções. Depois, porque essa é a forma que permite contratar ‘ex-jornalistas’, editores, chefes de redacção, etc., que mantêm depois nas assessorias contactos privilegiados com anteriores subordinados nas redacções…

Quando acaba esta promiscuidade entre jornalistas e propagandistas?
Segundo João Paulo Meneses, “Das duas uma: ou a prática, por continuação, hábito e desgaste, se institucionaliza – daqui a algum tempo - será perfeitamente normal o vaivém entre jornalismo e assessoria ou é preciso clarificar a situação, regulamentar hipotéticas incompatibilidades, nomeadamente na hora do regresso”.

A propósito, José Mário Costa relata (via Clube dos Jornalistas):
“Manuel Maria Carrilho, ao lançar o seu livro, pôs em causa ‘a dignidade dos jornalistas’…”, dizia no Portugal Diário. “Mas o que desde há muito põe em causa a dignidade dos jornalistas é o próprio Estatuto da classe. A classe tem que compreender que é inaceitável que um jornalista seja num dia profissional de marketing político ou propagandista deste ou daquele governante ou político, e no dia seguinte regresse candidamente à redacção como se nada fosse com ele… Enquanto o Estatuto dos Jornalistas mantiver este clausurado e não introduzir um período substantivo de impedimento, pós-contratual, no regresso à profissão, a dignidade da classe está gravemente atingida”.
Em relação a esta matéria, o Sindicato dos Jornalistas já havia tomado uma (tímida) posição num documento de 2005/OUT/24 – SJ lança documento de apoio ao debate do Estatuto, onde dizia:
“6.O documento propõe que no caso da apresentação de mensagens publicitárias e participação em inactividades de divulgação de produtos ou entidades, a incompatibilidade se mantém por um período de três meses após o fim da divulgação. Em relação a outras incompatibilidades, como as de assessoria ou até exercício de funções políticas, será de propor um período de reserva pelo menos quanto a realização de trabalhos em áreas editoriais relacionadas com tais funções?”

Também Miguel Sousa Tavares lembrava no Expresso, num texto intitulado “Jornalismo, modo de vida”: “No passado, insurgi-me várias vezes e publicamente contra o facto de haver supostos ‘jornalistas’ que eram simultaneamente articulistas de opinião. Mas esta absoluta promiscuidade chegou a receber o apoio da classe, com o próprio Sindicato dos Jornalistas a propor que se equiparassem os profissionais das agências a jornalistas, com carteira profissional e tudo”.
E então, será justo um jornalista poder abandonar as suas tarefas num jornal, rádio ou televisão para entrar em publicidade ou num gabinete ministerial como assessor ou marketing político?

Não é aceitável que um jornalista seja profissional de marketing político ou propagandista e no dia seguinte regresse à redacção como se nada fosse… De facto, se não for colocada uma forte reserva ao regresso ao jornalismo desses servidores de gabinete, o “quarto poder” pouco mais será do que isso.

O exercício da profissão de jornalista é incompatível com o desempenho de funções de marketing como Relações Públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como o de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais (…). Findo o período de seis meses, se exercer a sua actividade em áreas editoriais relacionadas com a função que desempenhou, como tais reconhecidas pelo conselho de redacção do órgão de comunicação social para que trabalhe ou que colabore.”(Art 3º - nº 1-b e nº6).

Podemos voltar a citar o exemplo do jornalista Miguel Braga que suspendeu funções na TVI para assessorar o ex-Ministro do Ambiente, José Nobre Guedes. Com a saída do governante, o filho do fadista João Braga regressou ao canal de Queluz, com a particularidade de passar a desempenhar funções completamente opostas com as matérias que lidava enquanto assessor. Miguel Braga é, hoje, um dos jornalistas do departamento desportivo da TVI!

Deixo no ar, uma vez mais, a questão: será justo poder sair do Jornalismo para se inserir nas áreas de Relações Públicas ou Publicidade e voltar a exercer a antiga profissão com tão poucas restrições? Isto mesmo sabendo-se que, à partida, um ex-jornalista, depois de passar por outras áreas poderá estar mais “inturmado” em todos os assuntos e as fontes de informação lá fora serão outras e mais intensas devido às relações coexistentes. A minha opinião é que não, pois existem outros jornalistas capazes de ocupar os cargos deixados inicialmente nas redacções pelos que quiseram “experimentar” outras áreas, o que faz com quem fica não devesse ser mero substituto durante, por exemplo os seis meses de período de nojo aplicados, e fosse sim o futuro da informação não se ficando pelos seus “cinco minutos de fama”.

Os grandes pecados dos media nacionais são o comodismo, a desatenção, o respeitinho pelo poder, o alheamento da sua tarefa histórica de watch dog”, disse Miguel Sousa Tavares no livro “O Pecado mora aqui”.

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