Thursday, May 17, 2007

AULA 11: AS FONTES À FRENTE DOS JORNALISTAS?

Não há notícias sem fontes. Mas há jornalistas que, ao invés de irem atrás das notícias, deixam que sejam as notícias a "irem" atrás de si. Essa evolução do jornalismo, que hoje se pratica, é motivo de fundadas inquietações."

O uso sistemático de fontes não identificadas que "colocam" em determinados jornais notícias que dias depois são desmentidas na concorrência por outras fontes, igualmente não identificadas, mostra como o jornalismo se torna vulnerável quando se deixa instrumentalizar. A prática generalizada de notícias com uma única fonte, com ou sem identificação, não podedeixar de causar perpelexidade, assim como a não identificação das fontes que se tornou a regra do jornalismo, em vez da excepção. De facto, noticia-se hoje com a maior facilidade que "o jornal teve acesso" ou "sabe" que fulano vai fazer ou dizer algo, sem que o leitor perceba as razões da falta de clareza sobre a origem da informação.

Considerando que o produto da imprensa é a informação, fica claro que se esta for defeituosa ou não divulgada, para benefício próprio, a empresa está a ser tendenciosa e criminosa. Para lançar um produto, uma empresa dedica dinheiro e tempo em pesquisa e desenvolvimento (com todas suas fases de: estudos, protótipo, desenvolvimento, testes e piloto) antes de despejá-lo no mercado e obter os benefícios. E estes virão em maior ou menor grau somente depois de avaliado pelo consumidor. O importante é que o consumidor final é que avaliará se continuará usando ou não o produto.

"O Poder das Fontes”. No seu livro 'The Sociology of News' (2003), Michael Shudson, um dos mais lúcidos estudiosos do jornalismo, afirma que “o poder mais 'profundo e sombrio' da imprensa reside nas fontes. Em sua opinião, não são apenas as fontes governamentais que procuram influenciar os media a seu favor.
Também instituições como universidades, empresas privadas e públicas, associações voluntárias, etc., procuram profissionais com experiência em jornalismo para colocarem notícias favoráveis”.

Uma das mais antigas técnicas adoptadas pelos jornalistas para assegurarem ao público a fiabilidade do seu trabalho é fornecer-lhe as fontes das informações. Quando esta é claramente identificada o público pode decidir por si próprio se a informação é credível.

Joe Lelyveld, editor executivo do New York Times, citado por Bill Kovach e Tom Rosenstiel, afirma que “antes de usar fontes anónimas um jornalista deve colocar, a si próprio, duas questões:
1. Se a fonte anónima tem conhecimento directo do acontecimento sobre o qual fala;
2. Qual o motivo, se existe algum, que poderá ter a fonte para tentar enganar o jornalista ou esconder factos importantes susceptíveis de alterar a sua visão sobre o assunto.
Só depois de se considerar satisfeito com as respostas, o jornalista deverá usar a fonte. Contudo, deverá provar aos leitores que a fonte conhece o assunto ("viu o documento"), explicando, ainda, as razões do anonimato”.

Por sua vez, a jornalista Deborah Howel, citada no mesmo livro, aconselha o cumprimento de duas outras regras sobre as fontes anónimas, que reforçam as defendidas pelo seu colega Lelyveld:
1. “Nunca usar uma fonte não identificada para fornecer uma opinião de outra pessoa;
2. Nunca usar uma fonte não identificada como primeira citação de uma notícia.”

O jornalista tem o dever de identificar-se correctamente à sua fonte, antes de iniciar, e informá-la de quando estiver a gravar. O que eles dizem antes e depois da entrevista deve ser considerado off the record, ou seja nunca poderá ser citado. A excepção só se aplica se existir um benefício excepcional para a opinião pública, tal como se tivesse testemunhado um assassinato.

Nestas circunstâncias o jornalista é a fonte, e outros podem querer contacta-lo para verificar os factos, entrevista ou outros pormenores.

O off da fonte é sempre preservado quando está em jogo a segurança da informação, a integridade da fonte, o interesse da sociedade e a verdade.

O jornalista não quer, não precisa e não depende de fonte mentirosa e criminosa. O repórter, mais do que ao jornal, serve ao leitor e à verdade nnão à fonte; pelo contrário, serve-se da fonte, verdadeira e confiável, para atender aos interesses supremos do leitor. Quando a fonte não serve a estes princípios ou, pior, contraria estes objectivos, deixa de ser fonte, perde o privilégio do off.

Segundo esta teoria, um acontecimento gerador torna-se narrativa factual quando consegue mobilizar factos complementares, validados através das fontes de informação. “Essas fontes e o narrador falam. Percebemos, assim, que se constrói uma rede para ‘pescar’ notícias”, comenta Maria Betânia. No livro, a pesquisadora procura “rastrear”, a partir dos textos analisados, as relações que configuram a teia, assim como os constrangimentos ou a burocratização do discurso através da “voz” das fontes. “A produção jornalística está calcada na auto-imagem de fontes abalizadas a validar a notícia e aqueles que aparecem como fontes aptas a legitimar a informação têm acesso habitual aos veículos de informação", resume Maria Betânia.

Para compreender o funcionamento do discurso jornalístico, é preciso considerar o acordo de leitura que se estabelece entre jornalistas, fontes e leitores. Um exemplo do que não deve acontecer são as revelações sobre a licenciatura do Engenheiro Sócrates pela Universidade Independente (autêntico serviço público, por muito que haja quem diga o contrário) apesar de tanto o Público como o Expresso, nos seus textos iniciais, parecerem estar a pedir desculpa pelo que publicaram. Pena é que no melhor pano caia a nódoa: ambos os jornais omitiram a sua principal fonte, o blogue Do Portugal Profundo.

No jornalismo, o contrato entre jornalistas e leitores ampara-se nestes pressupostos, ainda que ilusórios: o jornalista não mente; embora a empresa e o jornalista possam ter interesses particulares(esses não superam o interesse do leitor).O jornalista só recorre a fontes credíveis; cruza fontes e versões, oferecendo informações confirmadas. Daí, o jornalismo basear-se na credibilidade dos sujeitos envolvidos no processo: fontes, jornalistas e veículos (BERGER, 1998). Passamos então a tratar mais detalhadamente da identificação das vozes presentes no discurso jornalístico.

“Os jornalistas realizam interacções sociais e culturais com as fontes num conjunto diverso de ambientes [...], usando fontes seleccionadas para formar as suas próprias opiniões de especialistas, muitas vezes explicitadas nos espaços noticiosos. Jornalistas e fontes formam um círculo hermenêutico cujo entendimento tem por missão a articulação de interesses comuns”,(SANTOS, 1997, p. 169). Isto porque um jornalista só é manipulado se não fizer correctamente o trabalho jornalístico. Contudo, há quem defenda que é a pressão de obtenção de notícias que permite que os jornalistas sejam manipulados e que passem, para o público, informações que não foram devidamente confirmadas.

No jornalismo, podemos pensar no exemplo de uma reportagem que ouça, digamos, quatro fontes. Em princípio, teríamos cinco locutores: o jornalista e as fontes. Aparentemente, é um texto polifónico. No entanto, é preciso, depois de identificar os locutores, ir às perspectivas de enunciação. Se todas as quatro fontes enunciarem sob a mesma perspectiva, filiadas aos mesmos interesses e inscritas na mesma posição de sujeito, apenas complementando-se umas às outras, podemos dizer que configuram um único enunciador. Se, além disso, o jornalista se posicionar ao lado dessas fontes, então também ele está regido pelo mesmo enunciador. Teríamos, assim, um texto aparentemente polifónico, pois claramente constituído por cinco vozes diferentes, que, na verdade, é monofónico, pois é constituído por um único enunciador.

Existem então dois tipos de estudo no jornalismo: mapeamento das vozes (jornalista, instituição, fonte, leitor) e identificação dos sentidos (formações discursivas, silenciamento, movimentos de paráfrase e polissemia). Esses dois tipos de pesquisa estão em íntima relação, mas podem ser desenvolvidos em momentos distintos e exigem procedimentos específicos. A origem deste artigo é as vozes.

O papel das publicações científicas especializadas no âmbito da cobertura jornalística de ciência tornou-se hegemónico com relação aos preceitos de avaliação crítica e independente das fontes. Muitos estudiosos e críticos da media têm alertadO para a conversão do jornalista num simples comunicador, que se ocupa de reproduzir informações num formato mais acessível ao público em geral, em detrimento das demais atribuições inerentes à mediação plena que se espera dessa profissão.

Com tudo isto, podemos concluir que os jornalistas, na maioria das vezes, baseiam-se no que lhes dizem as fontes, algumas delas pouco fidedignas. Tal como reconhece o jornalista Lorenzo Gomis,
"as fontes a que os jornalistas recorrem ou que procuram os jornalistas são fontes interessadas, quer dizer, estão implicadas e desenvolvem a sua actividade a partir de estratégias e de tácticas bem determinadas. E se há notícias isso deve-se, em grande medida, ao facto de haver quem esteja interessado em que certos factos sejam tornados públicos".

O verdadeiro problema não é se o jornalista mantém a confiança nas fontes, é sim se os leitores mantêm ou perdem a confiança no jornal ou qualquer outro órgão de comunicação.
Então, deve sempre haver uma confirmação para que as fontes não se sobreponham aos próprios jornalistas.

1 comment:

António Balbino Caldeira said...

Grato pela referência Do Portugal Profundo e do meu esforço.

Mas, se me permite, o plágio mais ou mneos descoberto tem sido uma tradição da imprensa portuguesa que jamais citam os concorrentes enquanto fontes - e quando o fazem referem "um jornal diário disse... Como os blogues lhe tiram espaço e moral, tratam-nos como inimigos na ressaca do combate: saqueiam-nos...